Já todos nos cruzámos com a velha máxima less is more, é seguro afirmar. É daquele tipo de aforismo que o tempo cristalizou em património retórico universal, e que uma boa esgrima de ideias parece não poder dispensar. Confesso, contudo, que este, em particular, me inquieta bastante. Reconheço-lhe as qualidades sintáxicas e, mais interessante, a capacidade de cumprir, no próprio enunciado, a tese que propõe — trata-se, afinal, de uma defesa genérica da ideia de minimalismo expressa, muito adequadamente, em apenas três curtos vocábulos. Porém, não obstante a magnífica afinação formal, o tom categórico com que vulgarmente se afirma que menos é mais — a não menos minimal versão portuguesa do mote — alude a uma pretensa universalidade do pressuposto. E essa universalidade é, quanto a mim, uma ilusão mascarada de sabedoria secular. Não que menos não possa ser mais. Pode, claro. E, em muitos casos, será. Mas elevar tal premissa à condição de regra absoluta, válida sempre que evocada, transforma-a num argumento superficial — além de preguiçoso —, altamente castrador para todas as atividades que se debrucem sobre o espírito humano. Mas vamos por partes.
A expressão less is more tem origem presumível num poema do século XIX, da autoria do inglês Robert Browning, mas foi o arquitecto alemão Ludwig Mies van der Rohe quem, já no século XX, a tornou verdadeiramente popular. Para quem está familiarizado com a retórica da arquitectura modernista, é evidente a perfeição de casamento entre o verso de Browning e o estilo racional de Mies van der Rohe, marcado pela depuração da forma e pela rejeição do ornamento supérfluo. Porém, muito para lá da afirmação de uma filosofia pessoal particular, a máxima less is more acabaria por assumir um papel de síntese informal de um amplo conjunto de movimentos estéticos não irrelevante — das artes plásticas à música, da arquitectura ao design —, que, na procura de uma simplificação extremada, acabaria por substituir, deliberadamente, a construção emocional pela materialidade funcional.
Não surpreende que, num século de afirmação industrial — um século que, recorde-se, viu desenvolver os princípios da administração científica, de Fredrick Taylor, e a linha de montagem, de Henry Ford —, a objectivação da função, transcrita como pureza da forma, tenha ganho ímpeto tão vincado e tão alargado. Até porque, de um modo mais profundo, esse mesmo ímpeto materializava, como nenhum antes dele, um dos grandes mitos que o ser humano construiu à sua volta: o de que a emoção é coisa do passado animal, e a razão, essa faculdade excepcional, o triunfo da nossa espécie. Less is more era, pois, o guia perfeito para um mundo que se pensava hiper-racional.
Ora, hoje, em pleno século XXI, temos outro entendimento da substância humana, convenientemente fundamentado por áreas como a psicologia e a neurociência. E esse entendimento começa, precisamente, por nos assegurar que, sem emoção, a razão não é a virtude optimizada que se julgava. Valerá, então, a pena continuar a insistir, levianamente, que menos é mais?
(...) Não surpreende que, num século de afirmação industrial — um século que, recorde-se, viu desenvolver os princípios da administração científica, de Fredrick Taylor, e a linha de montagem, de Henry Ford —, a objectivação da função, transcrita como pureza da forma, tenha ganho ímpeto tão vincado e tão alargado.
Para lá do mito da racionalidade
Como se percebe, sou da opinião que, mais do que um argumento de inteligência contemporânea, o mote less is more é uma viagem frívola a um passado pouco esclarecido em matéria de função emocional. A defesa da simplicidade pela simplicidade nele implícita não é mais do que um exercício formal estéril, que ignora todas as camadas de significado que o ser humano procura ao experimentar o mundo. Dizem-nos as ciências humanas que, consciente ou inconscientemente, todos ansiamos por mais do que uma vida sequenciada em transacções funcionais. Procuramos histórias e narrativas. Queremos ser envolvidos, desafiados, estimulados. O mistério é importante. A interpretação é importante. Tal como revelam Vilayanur Ramachandran e William Hirstein — neurocientista e filósofo, respectivamente —, a resolução de problemas perceptuais, o decifrar de ambiguidades, é uma das fontes de maior prazer que o nosso cérebro retira da fruição da arte. Ora, nunca é demais lembrar que esse cérebro curioso não fica retido na plateia do teatro, nem na sala do museu. Acompanha-nos, pelo contrário, ao longo da marcha a que chamamos vida. Do supermercado à rede social, da rotina laboral aos rituais familiares. Advogar pela simplicidade funcional como um fim em si mesmo é trocar, com paternalismo sobranceiro, a estimulante natureza humana — lugar do sonho, da magia, da imaginação, mas também da subjectividade, da ambiguidade, da intangibilidade — por uma versão mais pobre, não mais evoluída.
Por fim, mesmo reconhecendo as suas claras insuficiências enquanto prescritora de um ideal humano absoluto, é difícil ignorar o quanto a máxima de Mies van der Rohe, já longe do seu perímetro filosófico original, responde ao espírito intelectual do nosso tempo. E é talvez aí que se sustém a minha inquietação. Não desconsiderando os privilégios evidentes do presente, a aceleração contínua que o empurra compulsivamente para a frente é também fértil produtora de mediocridade, como alertou primeiro Goethe. Ora, neste ritmo frenético, de superficialidade perpetuada e certeza passageira, a apropriação do verso de Browning — ou, talvez, reapropriação seja mais indicado — oferece um argumento airoso, dissimulado de lucidez intelectual, mas profundamente ignorante do desiderato humano. O risco, esse, reafirma-se: do minimalismo formal à pobreza emocional, o passo é curto.