Foi num artigo de 1955, surpreendentemente actual quando relido em 2019, que Burleigh Gardner e Sidney Levy lançaram as bases do que entendemos hoje por branding — e, sobretudo, como o devíamos entender. De forma muito lúcida, Gardner e Levy, ambos investigadores pioneiros no estudo do comportamento e da motivação do consumidor, sublinhavam, já em meados do século passado, a dimensão simbólica que as marcas pareciam conquistar, enquanto sugeriam a gestores e publicitários uma visão estratégica de longo prazo, muito além do imediatismo apostado em impulsionar vendas que caracterizava, então, os esforços de comunicação. Estávamos em 1955 (não é demais relembrar).


Face ao aumento da oferta, o público começava, por essa altura, a ver-se obrigado a optar entre alternativas, sem discernir diferenças objectivas entre produtos. A impossibilidade de se tomarem decisões tendo apenas por base as qualidades funcionais pressionava as marcas a assumirem um papel mais preponderante no processo. Assim, de sinais adicionados destinados a identificar e distinguir produtos e produtores, as marcas começavam a tornar-se no activo intangível que hoje sabemos serem: uma fonte de valor e de reputação, obrigada a ser construída estrategicamente, em profundidade, e gerida muito acima da operacionalização corrente da comunicação. Curiosamente, não obstante o acordo teórico generalizado sobre o tema, esta visão holística, bem introduzida por Gardner e Levy, tem dificuldade, ainda hoje, em vingar na prática. Vezes demais, as marcas são pensadas apenas no quadrante da comunicação, sem um esforço verdadeiramente orquestrado entre todas as dimensões que as sustentam e que as definem (tema para outro texto).


Enquanto as marcas se afirmavam no mundo comercial, foi recaindo sobre os designers — ou artistas comerciais, como foram durante muito tempo conhecidos —, a responsabilidade maior na comunicação visual das organizações. Não raras vezes, lidavam directamente com os fundadores e líderes das empresas, sem intermediários pelo meio. Veja-se o caso de Peter Behrens, na AEG, ou Paul Rand, com a IBM (e, já agora, Raymond Loewy que, embora polémico, foi dos primeiros designers a marcar presença em reuniões de conselhos de administração americanos). Porém, a complexificação dos processos de comunicação e do próprio entendimento do conceito de marca criou a necessidade de novas valências na equação. Neste cenário, o Marketing, que vinha das vendas com uma vocação mais comercial e uma retórica mais empresarial, foi assumindo o leme do processo.


Algures, provavelmente sem se dar por isso, ter-se-á atingindo um equilíbrio óptimo entre a dimensão poética, que aproveitava a sensibilidade artística dos criativos ao serviço das marcas, e a necessidade de responder objectivamente aos desafios corporativos, cuja trama se adensava. No fundo, encontrou-se o Santo Graal que muito me parece escapar hoje às marcas: uma gestão assente na proporção certa de preocupação com a dimensão humana do público e com a dimensão económica da empresa. Até aqui, tudo bem. Contudo, talvez por se ter chegado a esse ponto de equilíbrio de forma não totalmente consciente e deliberada, ele não durou: rapidamente o ímpeto comercial se sobrepôs a todas as outras agendas. E o resto, sabemos bem. Hoje, a desconfiança generalizada nas marcas é legítima e justificada por um longo historial de manobras abusivas e interesseiras. Sem conseguirem disfarçar uma obsessão quase exclusiva com a maximização da rentabilidade económica, testemunhada pelas apresentações de contas trimestrais, as organizações descuidaram a relação com o público a quem se destinam (e que, vendo bem as coisas, justifica a sua existência — convém não esquecer). Interromper e vender substituiu a aposta em conquistar e acarinhar. Uma espiral com um preocupante sentido descendente. E, assim, chegamos à parte da tragédia. 

(...) Hoje, a desconfiança generalizada nas marcas é legítima e justificada por um longo historial de manobras abusivas e interesseiras.

Marcas: uma tragédia não inevitável

Recuemos novamente no tempo. Em 1968, o ecologista Garret Hardin popularizou o conceito da Tragédia dos Comuns, a partir de um artigo escrito para a revista Science. Nele, Hardin desenvolve uma elaborada analogia que envolve um pasto comunitário e vários criadores de gado que fazem uso dele. No hipotético cenário, enquanto o equilíbrio for assegurado, todos tiram partido do bem comum que o pasto representa. Mas como cada indivíduo procura maximizar, de forma independente, os seus benefícios, os criadores de gado terão tendência a explorá-lo acima da quota que lhes cabe. Um processo que se auto-alimenta e dificilmente regride: a partir do momento em que um indivíduo se adianta, os outros serão impelidos a igualar ou a aumentar a parada, e assim sucessivamente. Desta forma, a sustentabilidade do pasto é, claro, colocada em causa. O desfecho previsível, esse, é trágico: esgota-se o recurso partilhado. No fim, todos acabam por perder.


Sem surpresa, esta alegoria tem eco sonante em áreas em que os recursos são finitos e a sobreexploração de uns coloca em causa o interesse de todos. A ecologia é, naturalmente, dos casos mais evidentes, mas o princípio moral é extrapolável para situações mais abstractas: da corrida ao armamento à evolução da densidade populacional, e por aí adiante. Com um pouco de atenção, encontramos o mesmo efeito também em contextos mais mundanos. Pensemos, por exemplo, nas séries de televisão bem sucedidas: à medida que os índices de popularidade sobem, os actores são tentados a renegociar progressivamente os seus salários, até que, não raras vezes, a folha salarial acaba por ultrapassar o limite da rentabilidade. O resultado é o que conhecemos: as nossas séries favoritas são canceladas prematuramente e todos saem a perder, actores incluídos.


No geral, a sequência trágica de Hardin é mais comum do que aquilo que gostaríamos de acreditar. E quando olhamos para a evolução da actividade das organizações com algum distanciamento confirmamos precisamente isso. Vejamos: à medida que a concorrência se foi intensificando, a comunicação das marcas, orientada por uma visão fortemente comercial, tornou-se, também ela, mais agressiva, mais insistente e menos escrupulosa. Falar mais alto assumiu-se como a estratégia de excelência no reportório das organizações. À semelhança dos criadores de gado de Hardin, o olhar exclusivo das marcas nos seus próprios interesses deixou órfã qualquer preocupação com os do ecossistema em que estão inseridas. Pelo caminho, o bem partilhado — neste caso, a atenção, o interesse e, até, a confiança dos consumidores — foi-se esvaziando. Todos gritam e o pasto tornou-se, por isso, menos fértil. Estratégia ou tragédia de marca?


A intenção de Hardin com o artigo foi, erradamente, interpretada como um apelo à privatização e ao condicionamento da propriedade pública. De igual forma, também não é meu objectivo sugerir que deva existir alguma regulação da retórica permitida às marcas além da que já existe e que, à partida, evita abusos de maior. Porém, ao contrário do que parece ser a sina dos criadores de gado, as marcas não estão inevitavelmente condenadas. Essa é a moral da minha versão da história. É certo que um criador de gado, sozinho, não pode inverter a fatal sucessão de eventos. O pasto não vai recuperar se apenas um dos intervenientes ganhar consciência do problema e das respectivas consequências. Na melhor das hipóteses, adia-se um desfecho inevitável (e o criador de gado consciente apenas consegue perder mais do que os restantes). Já no mundo das marcas, o cenário é outro. Uma organização que rompa com a espiral descendente não precisa de contar com as restantes organizações para fugir à sua própria tragédia. O bem que é partilhado — a audiência —, ao contrário do pasto, pode ser cuidado e recuperado individualmente, sem depender de uma atitude concertada entre todos os agentes de mercado. Por outras palavras, cada marca depende apenas de si, da sua vontade em ser mais positiva do que as demais, para (re)conquistar um público historicamente desinteressado e desconfiado da comunicação das organizações. Ainda que aparentemente menos competitiva, esta é, na realidade, a estratégia que mais e melhores frutos assegura a longo prazo, e aquela que aqui, no Estúdio, assumimos como a mão invisível em todos os projectos que abraçamos. Já dizia o ditado, em terra de cegos... A nossa ideia, como sublinhei no livro Marca Positiva, é simples: «enquanto todos gritam, sobressai quem canta»1.


NOTAS

1. Campos, 2019, p. 250.

BIBLIOGRAFIA

Campos, J. (2019). Marca Positiva. Lisboa: Influência.

Gardner, B. B., & Levy, S. J. (1955). The Product and the Brand. Harvard Business Review, March-April, 33-39.
Hardin, G. (1968). The Tragedy of the Commons. Science, 162(3859), 1243-1248.
Olins, W. (2005). A Marca. Lisboa: Verbo.