O ano de 2020 terá, em todas as Histórias futuras, uma entrada universalmente partilhada. Afinal, como uma pedra na água, a pandemia do novo coronavírus projectou ondas em todas as direcções, sem qualquer lógica discriminatória imputável à sua natureza particular. Hoje, na alvorada do novo ano, enquanto se ensaiam lições e se precipitam conclusões, mas sobretudo enquanto impera a incerteza de um capítulo por terminar — um capítulo que se escreverá, não nos enganemos, muito além da pandemia  —, é precisamente a velha ideia da globalização, já gasta na teoria, que se vê visceralmente confirmada. O indivíduo singular, que, consciente ou inconscientemente, se recolhia na crescente privatização da vida, reencontrou compulsivamente o seu lugar na escala e na ordem planetária da espécie humana. Paradoxalmente, no quotidiano mais íntimo do confinamento privado e no exercício público do distanciamento social. Certo é que, se dúvidas existiam, 2020 expôs um mundo irremediavelmente interligado.


Porém, se é inevitável aplicar uma escala geográfica à (hiper)conectividade da vida contemporânea, não ver além dela é ignorar a verdadeira realidade que a experiência do novo coronavírus colocou a nu. A trama invisível que nos envolve — o tecido relacional que nos liga aos outros e ao mundo — estende-se na geografia, mas aprofunda-se em cada esquina da sociedade. Como pincel arqueológico, a pandemia revelou elos ocultos ou ignorados, lembrando com urgência aguda que agentes sociais, económicos e políticos, cidadãos particulares, pessoas colectivas e instituições públicas, são todos peças de um mesmo jogo. Um jogo de vínculos, dependências e encadeamentos. Um jogo de acção-reacção, causa-efeito, contínuo. Um jogo que, enfim, nos coloca a todos entre a borboleta e o furacão.

(...) Como pincel arqueológico, a pandemia revelou elos ocultos ou ignorados, lembrando com urgência aguda que agentes sociais, económicos e políticos, cidadãos particulares, pessoas colectivas e instituições públicas, são todos peças de um mesmo jogo.

É esta consciência de um mundo não apenas partilhado, mas construído sobre equilíbrios, e a meias com o outro, que pressiona e responsabiliza cada um de nós a assumir um papel activo no destino da sociedade e da própria humanidade. Seja como cidadão singular e consumidor privado, seja enquanto unidade integrada num ecossistema social e profissional mais vasto. Este sentido pedagógico da pandemia, que vincula o futuro colectivo até à escala da acção individual, é uma afirmação plena do profundo potencial de mudança que nos é concedido quando iniciamos esta marcha a que chamamos vida. Mas se a pandemia ajudou a recentrar a influência do humano-cidadão na equação universal que governa o mundo, converter essa influência numa força efectiva implica, primeiro, romper o espartilho da passividade. Agir. Algo a que nós, Estúdio João Campos, não somos também alheios.


Em 2019, começámos a falar abertamente de marcas positivas, sugerindo que é a felicidade do consumidor, se trabalhada de forma genuína e interessada, que desenha o caminho mais consistente — e humano — para a sustentabilidade económica das organizações. Procurávamos recuperar uma versão mais pura da lógica capitalista, baseada na ideia transparente da troca mutuamente benéfica. A economia e o bem-estar em progresso simbiótico. Estávamos longe de imaginar, contudo, que, apenas uns meses depois, a força das circunstâncias viesse, precisamente, comprovar o potencial positivo que tanto advogávamos ser intrínseco às marcas. Mas aproveitámos essa conjuntura de excepção — uma conjuntura que, entre tantas outras raridades, impeliu marcas de todos os quadrantes a colocar a preocupação com o público à frente do lucro imediato — para o sublinhar. Inquietava-nos o receio de que ao choque sucedesse o esquecimento. E, por isso, reforçámos a militância pela mudança positiva na concepção tradicional da gestão de marca. Ao fazê-lo, e talvez de forma inevitável, fomos também impelidos a olhar para nós mesmos. Estaríamos à altura da fasquia que colocávamos aos outros? A resposta que obtivemos foi clara: ainda não. Ainda podemos fazer melhor.

 
É, pois, com esta consciência que olhamos para o futuro que começa, agora, em Janeiro de 2021. Move-nos a vontade renovada de afirmar ostensivamente uma ideia simples que há muito abraçámos — o desejo de deixar o mundo melhor do que o encontrámos — e perpetuá-la intransigentemente, do pequeno detalhe ao gesto largo, na nossa praxis. Mas para concretizar tal ideia, temos consciência, precisamos, também, de nos rodear de pessoas que partilhem a mesma aspiração. Organizações, instituições — marcas! — apostadas em criar aquilo que entendemos por valor positivo. Valor que se revela não apenas no que é feito, mas, igualmente importante, na forma como é feito. Valor que se funda no lucro legítimo, mas que se projecta benignamente na sociedade. Valor que, enfim, constrói, não se limita a extrair. As outras marcas — aquelas excessivamente centradas em si mesmas, que esquecem o seu público e ignoram o mundo —, somos peremptórios: não nos interessam. E essa é, suspeitamos, uma resolução de ano novo ousada (talvez suicida!). Sobretudo para uma empresa como a nossa, irremediavelmente exposta aos caprichos do mercado. Mas é um risco que aceitamos de bom grado. Afinal, também nós vivemos entre a borboleta e o furacão. É, pois, na esperança presunçosa que a nossa resolução possa servir de inspiração — que um furacão possa nascer do nosso humilde bater de asas — que a tornamos pública. Um manifesto para um futuro partilhado.